Ampliação da produção gaúcha: o quê está faltando?

Ampliação da produção gaúcha: o quê está faltando?

Toda evolução de concepção na agropecuária passa necessariamente pelas perspectivas agronômicas, sanitárias e econômicas. Para quem vai empreender, ambas estão associadas. É possível implementar mais trigo no inverno ou promover mais uma safra de milho? Vamos conseguir vender esse excedente?  Em que medida vamos conseguir colher o investimento? Quanto tempo vamos levar para começar a ter o retorno financeiro? São interrogações básicas daqueles que são instados a diversificar, adotar novas culturas ou mesmo dilatar as suas produções.

Respostas a essas perguntas foram dadas na semana passada, durante dois importantes eventos do setor promovidos no Rio Grande do Sul e os quais o Conexão Rural teve o privilégio de acompanhá-los de perto. E em ambos os encontros uma mensagem comum foi dada: é urgente que a produção gaúcha de grãos avance uma ou mais casas.

O primeiro desses eventos foi na terça-feira (31), em Santo Ângelo, quando o Senar-RS organizou o primeiro dos dez encontros regionais do Programa Duas Safras, que está sendo trabalhado pelo Sistema Farsul e apoiado pelas principais entidades e instituições do setor. Nesse seminário, realizado no tradicional Clube Gaúcho, os especialistas foram convincentes no apontamento de caminhos para ampliação da produção gaúcha.

O outro momento de discussão se deu na Fronteira Oeste, durante a Semana Arrozeira de Alegrete, que voltou a ser realizada após dois anos. Na quarta-feira (1º) e quinta-feira (2), as reuniões promovidas pela associação local dos produtores ofereceram novos olhares para sustentabilidade dos sistemas produtivos. Planejar e executar além do arroz e da soja na várzea, com a implementação do milho, do trigo, de outros cereais e de forrageiras é o novo desafio dos arrozeiros. 

Pelo enfoque do mercado nunca a demanda por grãos esteve tão em alta – e seus preços também. E não é por causa do conflito entre russos e ucranianos ou pela pandemia, já que essa procura crescente já vinha acontecendo bem antes desses dois fatores.

Nessa direção, o milho é emblemático: desde o início deste século, a voraz China ampliou em 324 vezes as compras deste cereal. Outro exemplo dado pelo economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, é que somente nos últimos cinco meses foram embarcadas em Rio Grande 2,9 milhões de toneladas de trigo gaúcho.  

Pelo prisma técnico também ficou claro que as condições de ambiente, as físicas e biológicas são favoráveis ao avanço do plantio no inverno, época em que existe a maior ociosidade das áreas.  

Para Jorge Lamainski, chefe da Embrapa Trigo, e profundo conhecedor da realidade agronômica da parte norte do RS, todos os elementos corroboram favoravelmente para ao alargamento da produção no inverno.

“Temos de 9 a 11 horas de incidência solar nessa época e fazer agricultura é isso: é converter a luz solar em alimentos, fibra e energia através da elaboração da fotossíntese. Junte a isso os fatores solo e ar, que oferecem os elementos necessários, além de um manejo da terra adequado e a utilização de uma semente de qualidade”. Ou seja, temos tudo para alcançar o êxito.  

Já o professor da UFSM, Enio Marchesan, especialista nas áreas de várzea da Metade Sul, diz que uma utilização mais intensiva e sempre sustentável é a regra que deve sempre acompanhar a agricultura:

“Evoluímos muito na geotecnologia nesses últimos anos e isso nos faz entender melhor sobre a topografia ou sobre o fluxo de água das lavouras. Em termos de produção das culturas ditas de sequeiro em áreas alagadas hoje temos mais chance de acertar do que errar”.

Ele complementa:

“Essa coisa de cultivar arroz no verão e, depois de colhido, ficar com a área parada até voltar a cultivar na primavera  seguinte, já não dá mais sustentabilidade financeira para o empreendimento. Vejo sim, mesmo ponderando que é o mercado que dita as necessidades, uma ampliação das culturas no verão e o estabelecimento de uma produção que tende a se regularizar no inverno. E estamos tecnicamente prontos para isso.”

Se duas das maiores referências agronômicas deste Estado garantem que é possível colher bem no inverno e o principal economista do agronegócio do Brasil atestar que para essa produção compradores existem, afinal o que está faltando?

O que não podemos é continuar apostando num único cartucho. As frustrações das safras de verão de 2019-20 e 2021-22, só para ficar em exemplos bem recentes, mostram que não podemos mais perder tempo e dinheiro na dependência de um só tiro. Se temos mais balas no tambor, não podemos desperdiçá-las.

O ex-ministro da Agricultura e presidente de honra da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, na sua participação no Duas Safras das Missões, acertou o alvo:

“O Rio Grande já empurrou por muito tempo com a barriga essa virada de página”.