Entrevista: Domingos Velho Lopes explica como deverá funcionar a CPR Verde
Por Alex Soares
Domingos Antônio Velho Lopes é um dos que mais dominam no Brasil as relações de suborninação entre a produção agropecuária e a legislação ambiental. Engenheiro agrônomo e produtor rural, em Mostardas, no Litoral Norte gaúcho, Velho Lopes coordena a demandada Comissão do Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, entidade a qual responde também por uma das suas vice-presidências. Entre os variados temas e pleitos que pautam a sua rotina, Velho Lopes tem dispensado um bom tempo para estudar a implantação da Cédula do Produtor Rural Verde, a chamada CPR Verde, um mecanismo oficializado por Decreto Presidencial, que vem ganhando corpo e cuja finalidade é remunerar as boas práticas ambientais dos produtores rurais.
Lopes Velho falou sobre a CPR verde na edição do último sábado (9) do Conexão Rural, assim como também abordou outros temas que repercutem diretamente no cotidiano da produção gaúcha, como o regramento das fontes antrópicas de irrigação das lavouras da metade sul do Estado.
Abaixo trechos da entrevista e no final do texto o video com um compacto da conversa
CR - Recentemente a Farsul recebeu a visita do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Como foi?
DVL - Muito produtiva. Ele veio conhecer a realidade do nosso Bioma Pampa, pois recentemente se espalhou a informação de que esse Bioma estaria sendo degradado pelo uso contínuo do setor agrosilvopastoril, o que não é verdade. Então, além de outras pautas ambientais, ele decidiu se reunir na Farsul para saber se isso procedia e qual o entendimento e atuação da nossa entidade sobre a legislação ambiental. Foi uma visita rápida, mas vital para que o ministro Joaquim Leite compreendesse o que é verdade e o que tem de ideológico nas informações que a ele chegaram sobre o Bioma Pampa, sobre a supressão vegetal, sobre a forma com a qual a agricultura vem sendo trabalhada. Ao final desta reunião, ficou agendada nova vinda dele, mais precisamente após a COP-26, de Glagow, na qual ele vai participar. Ele deverá fazer um roteiro no estado para ver in loco a realidade.
CR - O que é a CPR verde e em que passo está a sua operacionalização?
Domingos - Em primeiro lugar é importante dizer o seguinte: será um instrumento Importante, que vai trazer muitos benefícios aos produrores rurais. Entre eles estão agregação à renda e a melhoria da imagem da produção brasileira. Trata-se de um mecanismo que pretende viabilizar o pagamento por serviços que trarão benefícios ecossistêmicos, ou seja, propriedades que estão dentro das regras, que respeitam a legislação, serão monetizadas. Segundo o grupo financeiro da Califórnia (EUA) que estuda o tema, a estimativa é que o Brasil movimente R$ 30 bilhões em 10 anos com a CPR Verde.
CR - E como vai funcionar?
Domingos - É isso que estamos discutindo. Digo nós porque a Farsul e CNA (Confederação Nacional da Agropecuária) participa de um grupo liderado pela Embrapa, que está criando uma metodologia com os devidos critérios para certificação. A CPR Verde só terá valor se tiver a certificação internacional, nos moldes do que é aplicado no setor energético da Inglaterra e nos EUA. Estamos também buscando as informações no mercado financeiro. Por exemplo, como vamos fazer a ponte entre as indústrias e empresas que se utilizam de combustível fóssil e que precisam atingir suas metas de redução de emição de gases com os produtores? Como eles farão a compra dessas CPRs? Como o mercado financeiro vai reconhecer essa certificação? São peguntas que esse grupo em breve vai responder.
CR - Mas isso tudo já não tinha sido definido no Acordo do Clima de Paris, em 2015?
Domingos - Ai é que está. O Acordo de Paris foi generalista e não incluiu a atividade agropecuária. Isso foi feito somente a partir do Acordo de Koronívia (Trabalho Conjunto Koronívia na Agricultura - KJWA), que é um plano de ação para inserir o setor primário nos mecanismos que premiam o alcançe das metas de redução dos gases de efeito estufa e baixa emissão de carbono. Dentro disso, vamos introduzir nesses critérios práticas como o plantio direto, devolução das ambalagens, altura de pasto e o balanço energético de carbono. São ações comuns na propriedade, que não constam na pauta ambientalista, mas sim na pauta do desenvovimento sustentavel. E esse é o nosso objetivo: valorizar e monetizar essas práticas.
CR - E a Portaria 414 do MMA contempla essas práticas?
Domingos - Sim, pois ela inclui no pagamento de serviços ambiantais outos benefícios ecossistêmicos que fazem parte do desenvolvimento sustentável, já adotados pela produção.
CR - Existe um país modelo nessa concepção de agricultura sustentável?
Domingos - Na verdade, os países estão construindo de forma conjunta as ações para redução dos gases e da emissão de carbono. Mas algo deve ser dito: O Brasil é o único pais na útima reunião da FAO (Organização das Naões Unidas para Agricutura) que antecipou para 2050 o zeramento da emissão de gases e para 2030 o zeramento do desmatamento ilegal. E aqui precisamos pontuar o seguinte sobre os gases: zerar não é acabar, mas sim passar a ter um balanço, ou seja, um índice de sequestro de carbono na mesma proporção da emissão.
CR - Como estão as negociações a cerca dos canais antrópicos?
Domingos - No Código Florestal de 2012 foi estabelecido que as margens do cursos perenes de água precisam ter a recuperação da mata ciliar, mas aqueles canais antrópicos (feitos pela ação humana), não constantes e efêmeros não precisavam. O problema é que o entendimento aqui (no RS) foi outro. Com mapas cartográficos inconsistentes se gerou a dúvida sobre o que era antropizado ou não. O fato é que agora, depois de muito batermos na tecla de que se precisava mudar esse conceito, ficou decidido pelo órgão ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente que um novo mapa hídrico será feito, agora pelo serviço florestal brasileiro. É esse documento que irá nortear o regramento definitivo. Até lá, as licenças das lavouras serão dadas normalmente e as futuras ficarão condicionadas ao fechamento dessa cartografia.