Uma derrota com requintes de suicídio

Na autópsia da campanha derrotada de Jair Bolsonaro de 2022 não faltam indícios para se constatar que o desastre está mais para suicídio. É lógico que o presidente eleito Lula adquiriu um patrimônio eleitoral considerável e intocável nestas últimas décadas, mas a sua vitória neste ano passa mais pela rejeição à formula de gestão do atual governo do que pelos seus méritos eleitorais.
O resultado dessa eleição começou a se desenhar bem antes da campanha eleitoral e longe de Salvador ou Aracajú. Começou em Wuhan, na virada de 2019 para 2020, quando Bolsonaro completava o seu primeiro ano de governo. Em fevereiro, o vírus fazia a sua primeira das quase 700 mil vítimas no Brasil.
A condução política da crise foi desastrosa. Ministros da saúde foram substituídos enquanto o Planalto e os palácios estaduais trocavam acusações diárias. Uma discussão débil sobre a eficácia da vacina se estabeleceu e o presidente da República soltava polêmicas declarações diárias no cercadinho do Alvorada. No meio da pancadaria, uma população machucada e desnorteada.
Durante essa e outras crises menores, Bolsonaro falava muito e a todo tempo, para alegria dos contrários. Contra si uma imprensa colérica e um judiciário militante. Ninguém consegue governar sob essas condições de animosidade. O seu silêncio deste domingo eleitoral se deu tardiamente.
Dono de um jeitão autêntico e impulsivo, o mito foi ficando mais mito entre os seus apoiadores enquanto ia fabricando novos adversários e fortalecendo os antigos. Consciente do que e a quem representava, o Capitão não conseguiu equilibrar midiaticamente esse papel com o de presidente de todos os brasileiros.
Ironicamente, o seu governo foi de excelência em diversas áreas. Na infraestrutura, obras Brasil afora foram concluídas. Na economia não houve sobressaltos e a reação ao rastro das perdas da pandemia e da guerra foi espetacular. O Brasil de Bolsonaro se sustentou, dando liberdade aos que produzem e assistindo com força os desfavorecidos. E mesmo que tenha havido arranhões aqui e ali, o seu governo carrega a marca da idoneidade. E é sempre bom lembrar: tudo isso durante e após o enfrentamento à catastrófica pandemia.
Não será fácil a vida de Lula a partir de janeiro de 2023. Mesmo que o parlamento brasileiro seja vulnerável, o governo terá que lidar com uma maioria oposicionista nas duas casas, ao menos inicialmente. Além disso – e mais importante – vai conviver com um eleitorado crítico a ele e desconfiado, sobretudo no que se refere às práticas de corrupção, comuns nas gestões federais petistas.
Bolsonaro, mesmo com a derrota de domingo, sai forte. Perder uma eleição por um ponto e traço percentual é diferente de levar uma goleada. Foi ele quem conseguiu organizar uma direita que desde a redemocratização estava fragmentada e não se assumia publicamente. E isso se mantêm depois dele e esse é um legado incontestável.
E no luto da derrota a direita brasileira deve obrigatoriamente refletir sobre como agir quando estiver no poder novamente. Na lista dos mandamentos estratégicos deverá constar a necessidade de se pensar, falar e agir para todos os cidadãos, apoiadores ou não.