Maldosa encenação contra a liberdade

Maldosa encenação contra a liberdade

Por Alex Soares

Ainda bem que o Senado Federal brasileiro tem mais o que fazer. Não tivesse, abriria cancha para muitas pautas potencialmente inúteis. Como essa pretendida por um grupo de ativistas da causa animal, crítico à exportação de gado em pé pelo Brasil.

A turma brasileira da Mercy For Animals (MFA) está promovendo um abaixo assinado que visa legitimar uma petição a ser protocolada no Senado. Para angariar apoios associam as viagens transoceânicas do gado à tortura, insalubridade, horror e assassinatos pós-transporte. 

A sua narrativa, porém, é tudo, menos fiel à verdade. Como é comum nesses grupos, a passionalidade impede um melhor entendimento e embaça o entendimento e as fundamentações.  

A tese que a exportação de gado em pé se confronta com as normas de bem estar animal não se sustenta. Exceções existem, mas uma visita a uma dessas propriedades onde se faz a quarentena do gado ou a um dos navios especiais para o seu transporte – como o Nada (foto), maior deles - faria os críticos repensarem. A proibição puniria os corretos.

Não é simples exportador gado vivo. Existem rígidas regras para isso – sanitárias, ambientais e jurídicas – antes, durante e após a navegação. Tudo é inspecionado por técnicos e fiscais dos órgãos estaduais e federais, fora e dentro das embarcações.

Mas no mundo da dramaticidade, como a do ator e apresentador Marcio Garcia, que publicou vídeo esta semana em favor desta petição, nada disso é levado em conta. São tantas as bobagens narradas em 3 minutos que não vale à pena transcrevê-las.   

O problema é que os alheios ao processo tendem a assimilar a peça ficcional como realidade. Quem produziu o vídeo, maliciosamente, tenta colocar todos criadores, transportadores, exportadores e compradores numa nau de vilões.

O roteiro é carregado de imagens antigas da internet, boa parte gravadas em terra firme. Mas é carente de lógica. Escondem, por exemplo, uma singela, porém capital inconveniência: se de fato os maus tratos fossem regra, qual seria a vantagem dos compradores estrangeiros em adquirir animais comprometidos?

Gado estressado perde peso, qualidade e valor. E é justamente o contrário, já que os rebanhos chegam o seu destino mais pesados.

A exportação dos terneiros vivos passou a se constituir numa oportuna alternativa de venda aos criadores. Nos últimos anos, milhões de terneiros paridos no Brasil foram exportados, em especial para Turquia, Egito, Jordânia e Líbano.

Mas o negócio contraria mais gente, além dos ativistas. Os frigoríficos locais não gostam e já chegaram a se unir com essas ONGs para proibir a prática.

O motivo dos produtores venderem os seus terneiros para fora é a remuneração. E têm liberdade para isso, já que o lucro é um direito sagrado para quem produz alimentos. A pecuária é um negócio que envolve custos, empregos e geração de receitas – privadas e públicas.

Na falta de uma causa mais nobre para lutar, bem que o apresentador Marcio Garcia e os seus camaradas de luta poderiam direcionar as suas energias para promoverem outras ações. Por exemplo, que tal uma campanha nacional para oferecer proteína a milhões de brasileiros, cuja subnutrição foi potencializada com a pandemia?

Iniciativa assim, além de ajudar milhões de compatriotas sem acesso a uma ração diária digna, estimulariam o consumo interno e, quem sabe, um menor número de gado vivo seria exportado. 

Mas brigar pelo gambá-de-orelha-branca se tornou bem mais interessante do que pelear pelo bem estar humano. E não é raro as acaloradas argumentações se darem entre uma e outra garfada de filé grelhado ao molho marsala e fartos goles de Campanaio Sauvignon.

Se informar antes de assinar abaixo-assinados é fundamental para se situar no contexto dos fatos e interesses. É frustrante, mas a conclusão é que nem toda a mobilização que parece ser grandiosa de fato é.